Ontem, quando estava a falar com a metade ao telemóvel, e para celebrar o facto de ter conseguido comprar bilhetes para o último concerto de Ornatos Violeta em Lisboa, desceu sobre mim a inspiração e cantei-lhe "anda comigo ver Ornatos Violeta" na melodia pouco batida, quase desconhecida até, do convite dos Azeitonas de "Anda comigo ver os aviões". Quando desliguei, fiquei com a música na cabeça. Não gosto particularmente da música, e este é um ponto importante. Disse que ia a conduzir? Bom, ia a conduzir (tinha falado através do auricular, que não se vê do lado de fora, apesar de ser daqueles velhinhos com fio e tudo). Então, eu conduzo de janela fechada, mas quando está este calor, obviamente abro a janela. E estou a parar numa passadeira e sai-me um "Anda comigo ver Ornaaaaaaatos Violeeeeeeeeta", em voz de criança a gozar e num volume relativamente alto. É que eu canto sozinha. Eu falo sozinha, cantar sozinha é apenas o passo seguinte. Parei numa passadeira de janela aberta a cantar isto alto. Não consigo descrever o ar assustado do pacífico transeunte a olhar para mim, acho que até atravessou mais depressa.
Tirando o hilariante da situação, quando ao fim do dia contei à metade, saiu-lhe em tom de gozo um guincho parecido com aqueles dos amoladores de facas. Sabem como é? Podia ter-lhe saído qualquer coisa, mas foi aquilo que saiu. Bom, quando eu era miúda a minha mãe dizia-me que era sinal de chuva. Sempre gostei destas tradições e mitos profundamente alicerçados em nada concreto.
Resumindo, começámos a conversar sobre como inúmeras profissões se tornaram descabidas. Já quase não há sapateiros, amoladores, leiteiros, etc. e tal. Porque estamos numa sociedade em que do velho não se aproveita, compra-se novo. Com a menor qualidade dos produtos e materiais, o preço baixa e, portanto, não compensa mandar arranjar. Que mensagem andamos a passar às crianças?! Quando formos velhos, o que nos acontecerá? Eu quero que os meus filhos saibam que o som dos amoladores traz recordações. E estava eu nesta ladainha pró-antigamente quando me diz ele: sabes que sei amolar as facas, não sabes? (sim, mas esqueço-me pá!) então, quando eu estiver a amolar facas, assobio assim como eles fazem.
E pronto, descobri que por (também) é por coisas destas que este gajo é a minha metade.