... ou de como o ser-se psicóloga não diz absolutamente nada sobre a nossa sanidade mental.
Vou para o call-centre de comboio. É sabido que tenho pavor a plataformas de comboios (lá dentro a coisa até que se ameniza, a entrar e sair das carruagens é que são elas).
No ano passado, e depois de muitas experiências com a medicação para controlar a asma e a pansinusite e afins, comecei a tomar um turbo-haler (turbo, hein, só podia) que vem num invólucro cilindrico.
Já se está mesmo a imaginar... Um destes dias estou a chegar à plataforma para apanhar o comboio e mais uma vez superar a minha fobia irracional e saco do turbo-haler para inalar, que a respiração estava a falhar um pedacito. Como sou moça muito prendada para as intelectualices mas nem tanto para as coisas de mãos, o turbo-haler (cilíndrico) salta-me das mãos, cai ao chão e rola, deslizante, o cabrão, até à linha do comboio, onde vai aterrar mudo e quedo. Faltavam dois minutos para o comboio passar.
O que faria, munida de toda a artilharia psicológica? Disputava racionalmente os meus pavores de ficar sem o haler e pensava em ir comprar outro quando chegasse ao destino. Despedia-me emocionalmente do querido haler, tantas noites que passámos juntos. Inspirava e expirava suavemente, como quem cheira uma flor e como quem sopra uma vela. Tudo isso e muito mais.
E o que é que, na realidade, eu faço? Ajoelho-me feita parva, as lágrimas a escorrerem-me pela cara de panda (porque estava maquilhada), a soluçar sem ser capaz de pronunciar duas sílabas seguidas, como se o mundo acabasse não amanhã mas daí a dois minutos.
Eis senão quando uma rapariga atlética (provavelmente da Faculdade de Motricidade Humana) me pergunta se "aquilo" era o que me tinha caído, e quando eu aceno afirmativamente, e sem perceber porque raio não fui buscar o dito haler, salta para a linha para mo devolver. E eu? Desato aos berros, que vinha aí o comboio, e já tenho o filme todo na cabeça, a tipa, bem intencionada, vai acabar espalmada ou estraçalhada mesmo à minha frente "como eu sempre disse que iria acontecer". Mas não, a rapariga era ágil, vai até ao início da plataforma, escala aquilo, devolve-me o haler e desaparece numa carruagem (sim, o comboio entretanto chegara).
Lindo. Depois disto, ganhei ainda mais respeito pelos medos dos meus clientes.