Lido todos os dias com pessoas.
Ou melhor, lido todos os dias com pessoas que se querem suicidar. Ou matar alguém. Ou que se querem esfaquear, drogar, que perderam pais, filhos, bebés e por nascer, que perderam pernas, ombros, rosto, que tiveram acidentes, que foram enganados e enganadas, que perderam casa, família, afectos. Todos os dias trabalho com pessoas que perderam. Todos os dias trabalho com pessoas que ultrapassaram o seu limite de sobrevivência, deram o seu melhor e falharam redondamente.
Por isso, não sou insensível aos dramas e tragédias que nos entram pelos olhos. Já os sei, antes ainda de chegarem aos noticiários ou ao facebook. Se vos contasse, não posso por motivos éticos, mas se vos contasse, percebiam que a vida é apenas o que fazemos dela apesar da merda toda que acontece. A vida é um "apesar de". A nossa responsabilidade é "apesar de". Pequenos passos, muitos pequenos passos podem fazer alguma diferença.
Por isso é importante que me mantenha mentalmente e afectivamente sã. Todas estas imagens de refugiados e naufrágios me ferem, mas não mais do que tudo o resto com que trabalho todos os dias. Apesar daquilo com que lido diariamente, estas histórias impactam-me. E é isso que me permite continuar a trabalhar.
Lamento, sinceramente, que seja preciso o choque para acordar a caridadezinha que há nas pessoas enquanto se queixam da falta de wifi ou do preço do novo iPhone ou das filas para o supermercado.