A minha avó tinha um calendário na parede. Era daqueles pretos, de tipo de feltro, com um marcador vermelho que se deslocava para assinalar os dias. Quando o meu avô morreu, dia 09 de Maio de há muitos anos (curiosamente, o mesmo dia em que, há uma quantidade menor de anos, o meu pai deu entrada no bloco operatório), nunca mais o marcador se moveu.
Tiveram um casamento longo (52 anos) como longo foi o namoro, mesmo para os padrões da época (11 anos). Aliás, namoraram 63 anos, e viveram tão um para o outro que o meu pai ficou ali meio esquecido no meio, mais criado pela minha bisa do que pelos meus avós.
A minha avó morreu na semana em que vi 3 concertos de Jorge Palma, um dos quais nesse mesmo dia 20 de Setembro (o mesmo em que, há uns dias, fui abraçar a banda que me abraçou).
No fundo, a minha avó morreu apenas de corpo, fraco, ossudo, e sapudo. Soube que ia ser o último o dia em que a vi pela última vez. Mas como disse, foi só o corpo que definhou. O resto parou a 09 de Maio.