Sim, fiz greve. Decidida, ponderada e convictamente. Não o fiz em ocasiões anteriores, em que a greve era mais prejudicial à empresa onde estava a trabalhar do que àquela entidade governante que nos deveria orientar. Afinal, o objectivo da greve seria sempre o de dar um alerta genuíno, um protesto gritante e unido. Mas desta vez, desta vez a situação é um pouco diferente.
Façamos um balanço destes 32 anos de vida. Casa própria, não. Carro próprio, não. Trabalho, o que vai havendo, desde que resolvi arriscar para investir mais na psicologia, essa vocação que me valeu 5 anos deliciosos de licenciatura e quase outros tantos de pós-graduações. O que vai havendo, repito. Aos sábados, todos, e outros dias esporádicos. O restante da semana, e do vencimento, vem de um call-center. É trabalho honesto, é trabalho digno, em todos os trabalhos retiro algo de positivo, em todos aprendo algo, em todos conheço gente que me ensina e inspira. Mas, ainda assim, faço greve. Por mim, pelos meus, pelos outros, e embora me assuma como tendencialmente canhota, demarco-me claramente dos debates patéticos que se vêem na Assembleia da República. Repito: patéticos. Temos um primeiro ministro patético, ministros, quase todos, patéticos, um líder da oposição patético, enfim, uma AR patética e deprimente, a quem sustentamos. Também por eles, ou em seu desfavor, faço greve. E sai-me do bolso. E não, não tenho receio de perder o meu posto de trabalho. Trabalho digno e honesto, sim, não me mete medo, já escrevi, daí não temer o que aí vem. Entendo o desespero de quem não fez greve por receio de represálias. E entendo quem foi trabalhar por não ser a favor desta greve. E, sobretudo, entendo quem, como eu, fez greve. Porque tanto uns como outros têm direito à sua escolha. Eu fiz greve. Sim.