espaço de mau feitio, alguma reflexão, música e outras panóplias coloridas

24
Nov 10

a Popota e a Leopoldina

Estas duas personagens causam-me tanta repulsa como aqueles jogos de solidariedade entre grandes estrelas do futebol, em que as receitas revertem a favor dos pobrezinhos - mas as receitas são os bilhetes comprados pelos adeptos e não qualquer parte dos ordenados milionários desses futebolistas, que, ainda por cima, ficam com a imagem para a opinião pública de 'solidários', quando, na verdade, não contribuíram com um tostão. Obviamente que todas as iniciativas para ajudar quem precisa são sempre bem-vindas, mas desde que sejam desinteressadas. Ajudar na perspectiva da ganância e da chica-espertice torna quem o faz naquilo a que aqui chamaria, usando uma linguagem infantil, um mete-nojo (está tudo bem comigo, e não, não me tornei um freak de esquerda). Vamos lá esmiuçar isto.

A Popota é dos supermercados Modelo, que são propriedade da Sonae. A Lepoldina é do Continente, também da Sonae. Qualquer busca rápida no Google dá-vos os seguintes dados. Em 2009, a Sonae teve resultados líquidos de 97 milhões de euros. Nos primeiros seis meses deste ano foram mais 41 milhões. São cerca de 250 mil euros por dia. O que é que este grupo decidiu fazer? Podia, com talvez 0,1% dos seus lucros anuais, mensais ou diários contribuir para a Causa Maior e para a Missão Sorriso. Podia, mas isso não era a mesma coisa. Decidiu aproveitar-se dessas causas para ganhar dinheiro, criando dois bonecos (a tal Popota e a Leopoldina) para aliciar as crianças e, com elas, levar os pais e, com eles, levar-lhes o dinheiro através da compra de livros, cachecóis, roupas, cds, etc, etc, da Popota e da Leopoldina., e, com estes, das compras para a casa que se fazem ao mesmo tempo (além de que, penso, parte da venda deste merchandising das Popotas não vai todo para as causas; o resto fica lá também nos supermercados).

Este sistema é perfeito porque cumpre uma regra fundamental para o ser: todos ganham. Os doentes e os pobrezinhos, que recebem verbas (independentemente da honestidade moral de como elas são obtidas, que é o que está em causa aqui). As crianças, que ficam todas felizes por brincar com as suas Popotas e as suas Lopoldinas, bonecos fofinhos cujas marcas e rostos são bombardeadas hora a hora nas televisões (alguém faz ideia de quanto é que estes supermercados gastam nestas publicidades e de como se podia acabar com esta berraria toda se revertessem esse dinheiro gasto em anúncios para as próprias das causas?). O Modelo e o Continente (a Sonae) também ganham. São, aliás, quem verdadeiramente ganha nesta história, porque aumentam clientes e lucros e ainda ficam com a fama de empresas 'solidárias'. E, finalmente, os pais, que nesta história são os verdadeiros otários. Ser solidário é fixe? É. Podia ser de outra forma? Podia. Podias ir ter directamente com quem precisa? Podia. Porque é que não vais? Porque dá muito trabalho. Além disso, os pobres cheiram mal, as crianças doentes deprimem-me e não temos Metro à porta. Se for ao Modelo e ao Continente é muito mais fácil, e sempre apanhamos uma sopa congelada em promoção.

Veja-se o site da Missão Sorriso* (da Leopoldina) e esta frase: "Nestes 7 anos já contribuiu com mais de 4 milhões de euros". Demoraram sete anos para angariar um montante que podiam juntar em duas semanas de lucros do Continente ou uma semana de lucros do Modelo. E se não tivessem gasto tantos milhares (milhões?) em anúncios de televisão, precisavam, se calhar, de apenas um ou dois dias. Mas não, demoraram sete anos, com a preciosa ajuda 'dos portugueses'. E isto só da Leopoldina. Não consegui apurar quanto é que a Popota já 'apurou'. E assim se vê, mais uma vez, que o mundo é dos espertos. Veja-se, novamente, o site da Missão Sorriso, especialmente esta* página. E o site* da Popota. Se não é de ir às lágrimas, não sei o que seja isso.

 

 

 

 

Por isso, e totalmente rendida ao texto que transcrevi, eu reforço a minha ideia, vamos todos adorar a Popota como ícone fantástico da moda, fruto de um brilhante trabalho de marketing, vamos idolatrar a Popota, tão fabulosa que é, tanto que faz, tanto estilo que tem (credo, é um hi-po-pó-ta-mo, minhas senhoras). vamos lá estupidificarmo-nos e achar que somos todos uns mecenas de boas causas.
Vamos esquecer-nos que o hipopótamo somos nós, ao acharmos que podemos fazer mais a diferença do que quem realmente tem o poder capital dinheiro capacidade para isso. Não tem é vontade. O facto de podermos fazer alguma coisa não iliba quem pode fazer muita coisa.

 

 

* Para poder dar os devidos créditos ao Zhu Di, os links originais não estão activos. Ide ao post-origem se a curiosidade se vos aguçar.

publicado por Vita C às 19:12
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