Em 1991, por este dia, eu tinha 10 anos (faria os 11 em Dezembro). Faço anos entre avôs, uma semana depois do meu avô paterno e uma semana antes do meu avô materno.
Dizia eu, em 1991, por esta altura, eu tinha 10 anos. E tinha apenas sabido de uma morte na família, a da minha avó Júlia, cuja memória nem sempre trago bem fresca. E tinha-a sabido pelo meu avô Zé Maria.
Mas, dizia eu, em 1991, no 10 de Junho, morreu o meu avô Zé Maria. Eu tinha 10 anos.
Não me recordo do dia em que morreu a minha avó Júlia. Era demasiado pequena. O primeiro velório e funeral a que assisti na vida foi o do patriarca desta família. E era tanto o patriarca, que nos cunhou e deixou testamento moral.
Recordo que a filatelia e a numismática me foram apresentadas por ele. Costumava brincar empoleirada ao seu colo, pegando numa pinça e num pequeno plástico autocolante com que catalogávamos os selos, ou então a devorar caderninhos sobre os graus de estado das moedas, da patina e da sujidade. No escritório tinha um barómetro que nunca esquecerei. Tinha um boneco de um jogador do Sporting a fazer de pisa-papéis, feito pelo meu primo. Ainda me lembro das colchas que estavam no antigo quarto da minha mãe e do meu ar de nojo quando me obrigavam a beber chá. Foi ele que introduziu o bolo de chocolate com nozes na minha vida. Era um cozinheiro talentoso e ainda hoje nunca comi um arroz de polvo como aquele que ele preparava para mim e para o meu irmão.
Era uma pessoa dura. Profissionalmente realizado e exigente, competente e respeitado. Pessoalmente, a idade e a doença tornaram-no ternurento e afectuoso. E apesar de tudo, ou por causa de tudo, era a referência da família. Nada voltou a ser como dantes e nada voltará a sê-lo. Mas ficou tanto por dizer, que às vezes espero que as minhas palavras lhe cheguem, nem que seja na minha cabeça ou na minha imaginação.