espaço de mau feitio, alguma reflexão, música e outras panóplias coloridas

29
Mar 16

Deixei de fumar há 4 anos, 1 mês, 15 dias e algumas horas. 

Por motivos diversos, tive de conduzir o carro da minha progenitora fumante este fim de semana. Sem ela.

E encontrei um cigarro de reserva ali onde agora dá jeito colocar o telemóvel. Um cigarro, do qual ela certamente se teria esquecido. E do qual nunca sentiria a falta. E que estava ali, sorrindo tentadora e astuciosamente para mim. Fuma-me, fuma-me, fuma-me. Ninguém vai saber. E, na verdade, ninguém iria saber.

Para acabar com o suspense, não fumei. Mas fiquei de sobreaviso. Esta merda de vício não desaparece mesmo. Nada de dar tréguas...

 

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publicado por Vita C às 16:00
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15
Fev 16

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publicado por Vita C às 09:11
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18
Fev 13
Estive muito pacífica e introspectiva.
A semana que passou assinalou o aniversário do meu internamento e, consequentemente, foi um período de reflexão e profunda gratidão.
Há precisamente um ano e quatro dias que não fumo...
publicado por Vita C às 15:53
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31
Mai 12




Deixei de fumar. Eu, que disse que nunca havia de admitir o facto, cedo a mão à palmatória. Deixei, deixei mesmo. Porque de cada vez que se me apoquenta a alma com pecaminosas manifestações de privação tabágica, lembro-me da D. Isabel. E da Fernanda, que palmilhou comigo o caminho da fisioterapia. E da Rita, a estagiária de fisio que teve a árdua tarefa de me manter concentrada. E da Catarina, a grande, bela e portentosa Catarina, que me pôs à prova e me contagiou com o gosto pelo exercício (moderado, moderadíssimo).
Lembro desta gente toda, dou uma inspiração profunda e compreendo, por fim, que o melhor é aceitar que sou uma ex-fumadora. Não por falta de vontade, admito, mas por vergonha de estar a deitar fora a minha saúde, tendo em conta o que passei e o que vi outros passarem.

Nos entretantos, confesso que ainda estou tipo lontrinha bebé, mas menos redonda. Peso exactamente o mesmo, mas já corro com um ritmo estável e minimamente parecido com corrida de endurance (a velocidade não é o meu forte). Consegui, até agora, não falhar um único treino de corrida/marcha, nunca esquecendo o aquecimento inicial e os alongamentos finais. Estou bastante mais fortalecida em termos respiratórios, uma vez que já não morro de cada vez que corro, aliás, o esforço tem diminuído a olhos vistos. Mas ainda me esforço, obviamente. É ver-me no fim da meia hora, ali em frente ao jardim, a alongar enquanto inspiro e expiro consciente de cada poro do organismo.
Corro três dias por semana e vou à hidroginástica noutros dois dias. Se tivermos em conta que, para meu grande espanto e admiração, existem pesos (halteres, pá!) na hidrocoisa, a dose de esforço mantém-se. Por um lado corro sozinha, por outro exercito-me na piscina com uma panóplia de respeitáveis senhoras e senhores que me dão uma monumental abada (por enquanto). Tem a grande vantagem de ser divertido e relaxante. Chego a casa e a vontade de dormir apodera-se do meu corpinho de forma implacável.

Sou, portanto, uma pessoa mais saudável. Mais consciente. Continuo sem orgulho por ter deixado de fumar, mas gosto cada vez mais de mim. E todos os dias agradeço a oportunidade que me foi dada para abrir a pestana a tempo.

* EWBtCiaST, Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town, Pearl Jam

publicado por Vita C às 16:34

17
Mai 12

E passaram-se mais de três meses desde o último cigarro, iupi. E doze quilos também.
Tendo em conta a minha pequena estatura e a minha mantra de não deixar de comer o que gosto (senhores, deixei de comer carne vai para 16 ou 17 anos, já nem eu sei bem, e isso já é dieta mais que suficiente), esta indesejada instalação de gordura insidiosa começou a incomodar.
Apesar de praticar o "i don't give a damn about the way you look at me" há já vários anos, confesso que a forma cilindrica com que me apresentava começou a incomodar-me mais do que gostaria de admitir.
E depois veio o dia da Mãe. Depois de uma viagem por esse Portugal, chego a Lisboa estafada e tenciono fazer sossegadamente a minha meia hora de caminhada habitual ... e o que é que faço? Corro. Ou uma coisa parecida com correr. Acho que não corria desde 1998 (na faculdade nunca corria para o autocarro e foi neste ano que entrei). E, apesar de o coração me ter saltado pela boca nos 25 metros que aguentei, a coisa não correu tão mal como isso, e o cardio-frequencímetro disse que não estava assim tão à beira da morte. Passei a andar/ correr nos dias em que não vou à hidroginástica (que comecei esta semana e está a ser muito mais cansativa do que pensei). Descanso dois dias por semana (sextas e domingos).
Resultados? Até ver, não perdi peso, não ganhei firmeza, não me tornei na próxima miss universo. Mas o que é certo é que ando com muito mais energia. Se conseguirei manter este ritmo? Não faço ideia. Mas, como sempre, isto só tem piada enquanto, precisamente, tiver piada e for divertido, não quero ser maratonista nem coisa que o valha. Quero ter um corpo saudável mas quero, sobretudo, poder comer. A ideia de um corpo esbelto e sedutor é tão mental quanto a minha atitude perante isso. O que importa, o que sempre importou, o que sempre orientou o meu princípio e modus vivendi é a regra da matinal: gostar de mim.

publicado por Vita C às 09:46

04
Mai 12

 

Não fumo vai quase para três meses. Três longos meses que, ainda assim, manda a ciência e a cautela, não me considero ex-fumadora. Não que me apeteça recair no vício, mas precisamente porque é um vício e merece ser tratado como tal.
Claro que há momentos do dia em que a tentação espreita insidiosa e permanece ali, quietinha, à espera de oportunidade. Claro que nesses momentos entendo que é preciamente por essa tentação que nunca digo que deixei de fumar. É mais um "agora não fumo, amanhã logo se vê". É quase como o amor, agora amo-te, amanhã também espero amar-te, mas isto do amor não se controla. E não fumar é apenas um acto de amor para comigo. Um gesto de respeito para comigo. E mesmo sabendo disso, é difícil (embora não tão difícil como pareceria de fora).
Há inconvenientes nesta opção por uma vida respirável, é bom que se diga. Continuo um barril autêntico, embora esteja a praticar caminhadas de meia hora quase todos os dias. Engordei o suficiente para passar por grávida e, por mais que haja situações em que tal pode ser divertido, asseguro-vos que para a auto-estima tanto peso é, vá lá, chato! Outro inconveniente é não saber o que se fazer quando os fumadores se reunem e vão "lá para fora", esse conceito estranhíssimo para quem não fuma, mas tão sedutor para quem fuma (excepto quando chove, claro está).
Em suma, é uma tarefa árdua, a de não fumar. Bebo muita água e é um óptimo truque quando me vêm à cabeça ideias de querer fumar, e digo-vos que ando a beber duas garrafas de litro e meio por dia. É muito xixi!
Estou crente que a perseverança compensará. Mas o que eu realmente queria era daqui a uns tempos nem pensar nisto, e ser apenas alguém que já fumou e deixou de o fazer, sem grande estilo, sem grandes ondas, simplesmente parou. Porque deixar de fumar não merece ser assim tão recompensado. É tão valoroso como estarmos a queimar a mão no lume e fazermos o gesto reflexo de retirar a mão.

publicado por Vita C às 08:51
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11
Abr 12

Mais um mês e meio de fisioterapia, diz a fisiatra.
E caminhada.
E Pilates.
E fechas a boca porque estás a 2 kg de teres excesso de peso (do verdadeiro) do alto do teu 1.59 m.
E mesmo assim ainda falta ver o que é essa coisita no pulmão, mas só dia 19 é que falamos.

E a modos que são estas as vantagens de não fumar há 2 meses. Iupi. Aceitam-se bolos de chocolate para a comemoração.

publicado por Vita C às 17:54

28
Mar 12

Sou uma Dolly Parton sem voz, mas as minhas mãos estão tãããããão hidratadas...

publicado por Vita C às 18:14
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11
Mar 12

Existe portanto todo o direito da minha parte de estar completamente redonda e com permanente fome e gula, ainda mais distraída que o costume e com raivinha e inveja da Lisbeth Salander (ou de qualquer outra magrinha sobre quem tenha visto um filme nas últimas 24 horas). Além disto tudo (que não é pouco), amanhã regresso ao trabalho após um mês.
E enquanto estava para aqui a pensar em postas de pescada para arrotar (see, it all comes down to food!) e destilar o meu mau humor, lembrei-me que ontem o programa da Voz do Cidadão foi sobre touradas, tendo aparecido a Gabriela Canavilhas (não lhe chegava fazer porcaria com a PL118, ainda me aparece à frente com as touradas). Ainda em modo preguiça aguda, veio-me à memória um dos melhores textos que já li sobre o assunto, escrito pela Sara, que não só tem um gosto musical apurado, como escreve estas coisas que ficam e aqui se reproduzem, porque traduzem precisamente o que eu escreveria se tivesse o jeito para letras que ela tem:

Bullshit!

Parece que a Catalunha teve um rasgo de inteligência no país capital da tourada e decidiu abolir este "espectáculo" (?) deprimente. As lutas de cães são ilegais, se eu espetar um ferro num cão estou a ir contra a lei e se o fizer num humano arrisco-me a ficar uns bons anos na prisão. Por cá ainda se continua a discutir se as touradas têm razão de existir e há mesmo quem seja contra esta decisão da Catalunha.

Se este primeiro parágrafo não é claro o suficiente, eu explico-me: considero qualquer pessoa que seja a favor de um espectáculo que consiste em espetar ferros num animal irracional um verdadeiro asno, com merda de touro no lugar de miolos.


Um dos principais argumentos que estes idiotas usam para defender a tortura é que
"é tradição". Tal como é tradição a mutilação genital nas guineenses, ou como era tradição encher o Coliseu de Roma de gente e aplaudir a sua morte cruel. Se tivéssemos mantido todas as tradições desde o início dos tempos, se calhar eu hoje não podia estar aqui a escrever num blogue por ser mulher e pelos meus pais serem da plebe. Claro que um defensor de touradas deveria achar isto muito bem, pois os defensores deste tipo de tradições também costumam ser amigos de tradições familiares que defendem que a mulher só serve para procriar e coser meias. Este é mais um ponto a favor da minha argumentação: sim, vocês são mesmo idiotas.

Outra argumentação disfarçada de preocupação é a de que o fim das touradas levará à extinção dos touros. Claro que sim, até porque todos os animais têm valor comercial para o ser humano, só por isso é que existem! E a carne de touro nem sequer é apreciada por aí. Não! Se os touros não servem para ser mutilados numa arena, então vão ser condenados à extinção, os coitados. É bonito ver a preocupação com a extinção do touro vinda de alguém que bate palmas quando este se esvai em sangue enquanto o povo bate palmas e come pipocas. É gente sensível, esta que defende as touradas.


Outro argumento muito bom é o não argumento:
"esses hipócritas que defendem o fim das touradas se calhar à noite jantam um belo bifinho! Ainda se lutassem contra a vida triste que levam os frangos enjaulados!".

Defender o fim de um espectáculo brutal, que explora a dor de um animal para fins de entretenimento (como se as pessoas já não tivessem entretenimento suficiente) é comparável ao comer carne. Bravo. Mas não se pode esperar melhor argumentação de alguém que ri ao ver um animal irracional a defrontar um animal racional montado num cavalo e armado com ferros que espetam. É possível comer carne sem que estes animais tenham vivido uma vida miserável, confinados a jaulas de 1 metro quadrado, que têm de partilhar com mais 300 frangos. Há animais criados ao ar livre. E há quem não coma carne. E - pasme-se! - há quem seja contra touradas e contra os maus tratos infligidos a outros animais! Eu sei, eu sei, é estranho pensar na coisa sob estes moldes. É de facto impressionante imaginar activistas anti-touradas que defendam o fim dos maus tratos a outros animais! Vá-se lá entender como é possível.


E, claro, enquanto existirem mais males no mundo, não se pode lutar contra um mal do mundo. Afinal, existem outros males no mundo que deviam acabar! Vão mas é reivindicar pelo fim desses males do mundo e deixem este mal do mundo sossegado.
"Há tantos animais abandonados e vocês preocupados com as touradas!". Indecente. De facto, é indecente.

Ah! Outro argumento giríssimo:
"Proibir as touradas é um acto intolerante". Pois é, pois é. Isto de ir contra a vontade de cada um é uma bosta. É isso e proibir o trabalho infantil, ou as violações. Há que ter respeito pela vontade de cada um! Se eu quero afinfar numa mulher mas ela não quer, deve ganhar quem tem mais força! Era o que faltava a lei vir meter o bedelho no livre-arbítrio.

De certeza que me estou a esquecer de mais argumentos usados pelos aficionados. Queiram desculpar, caros asnos. Sintam-se à vontade para vomitar mais argumentação aqui neste blogue. Se ofendi susceptibilidades de adeptos de touradas, saibam que a vossa estupidez também me ofende todos os dias.

publicado por Vita C às 15:27

02
Mar 12

O PRÉVIO

Dia 11 de fevereiro, sábado, começaram os primeiros sintomas, uma febre ligeira, uma dor de garganta e pouco mais. Dia 12, domingo, não se saiu da cama, e dias 13 e 14 foi-se, pouco inteligentemente, trabalhar em campo, onze andares num edifício sem ventilação, todo o percurso feito a pé. Uma sede imensa, mais do que fome e uma tosse corcunda vinda das profundezas que julguei não ter.
Claro está, dia 14 de fevereiro, dia dos namorados, depois de ter entregue dois bilhetes para Dream Theater à metade, fui por pata própria para as urgências do Hospital S. Francisco Xavier. Hora de entrada: 21h37m. Começava a saga...

 

 

S. F. X.

Quando entrei pelo posto de admissão não falava. Um ataque de asma como não tinha em décadas permitiu-me o acesso directo à triagem, e uma saturação de oxigénio de 84% deu para entrar directamente nas urgências laranjas, acompanhada pelo enfermeiro da triagem que só me largou quando me viu com uma máscara de oxigénio e um acesso no braço esquerdo. E água, muita água, que eu só sentia sede.
Quando a médica me veio ver, recomendou aerossóis e muita calma. Logo, lá fui para a sala dos inalatórios levar com salbutamol (ou combivent ou lá o que era). Era eu e mais uma dúzia, uns já a dormir e ressonar, outros nem por isso. A expectativa: estabilizar a respiração e ir à minha vidinha, como sempre acontecera até aqui.
Às auscultações seguintes entendi que algo diferente se iria passar desta vez. Ao longo da madrugada tentei evitar ao máximo as gasimetrias (nunca tinha feito nenhuma, mas explicaram-se que era uma colheita de sangue arterial, no pulso, e a descrição foi o suficiente para entrar em pânico) mas a saturação de oxigénio não melhorava e às 06h disseram-se que só sairia dali com uma gasimetria decente. Acedi. Devo avisar que fui completamente apanhada de surpresa e a minha primeira reacção foi a de tentar (mentalmente, claro) esmurrar a médica das urgências. Doeu, pois claro que doeu. Ao fim de três minutos, o resultado: mais aerossóis porque a gasimetria não estava famosa. Resumindo, não ia sair dali tão depressa.
Às oito da manhã, depois de ter utilizado todas as estratégias que me lembrei (contar de três em três de forma invertida), as gasimetrias tornaram-se suportáveis quando feitas à primeira, mas com a mudança de turno as competências entretanto adquiridas sumiram-se. Colhidas as hemo e uroculturas, e por uma questão de espaço, mandaram-me para a sala de reanimação (a REA). É dos sítios mais pacíficos para se estar, embora se corra o sério risco de ter de ir avisando que ainda estamos vivos. Foi por esta altura que desisti de tentar controlar a dor das gasimetrias. A única solução que me davam era oxigénio e aerossóis e, mesmo assim, nada de melhorias. Cada gasimetria era a porta de saída do hospital e, ainda que a saturação do oxigénio medida digitalmente fosse melhor que os 84 de entrada, a gasimetria acabava por me tramar.
Pela hora de almoço transferiram-me para a Sala de Decisão Clínica, onde comecei a sentir-me profundamente cansada. Apesar de não ter dormido desde as 07h da madrugada anterior, não tinha descansado, mas o meu estado era mais de prostração do que de sono.
A meio da tarde chegou (ao pé de mim) a pneumologista. Depois de algumas impressões, continuávamos a depender das gasimetrias e não entendiamos o que se passava. O RX estava relativamente normal, mas havia ali alguma coisa que não batia certo. Comecei a perceber que tinha sido bastante sensata em ter permitido as gasimetrias (apesar do pânico de furinhos no pulso). Não estava a respirar melhor, mesmo com o oxigénio a 12 l/h e, pior que isso, o meu estado começou a piorar.  À noite fui transferida para o serviço de pneumologia do Hospital Egas Moniz. Levava um lençol pelas costas e uns chinelos de papel, um frio de rachar, e oxigénio na cadeira de rodas.

 


H. E. M.

 

Cheguei à pneumologia pelas 23h de dia 15 de fevereiro, com o piso quase todo a dormir.
Quando cheguei não tinha nenhuma terapêutica prescrita, pelo que passei sem respirar decentemente (sem me poder queixar, estava ligada ao oxigénio, certo?, de falta de ar não morreria) e com febre. Delirei com um livro da JB Fletcher (do Crime, Disse Ela), sendo que tive uma agradável conversa comigo mesma sobre o marido da senhora e como esta se tornou autora de romances policiais. Esperava ao menos não ter incomodado a senhora que dormiu no mesmo quarto que eu e que, como se verá, se tornou numa das pessoas mais importantes desta história.
Pela manhã tinha mais de 39ºC de febre e não dormia há mais de 48 horas. Aprendi um respeito muito diferente pelos médicos e enfermeiros que se aguentam tantas horas seguidas.
Vi a médica que ficou com o meu caso e começámos a tentar entender o que se passava. Aliás, começou ela, eu já mal falava e cada respiração me parecia cada vez mais pequenina. Quanto à gasimetria, nada melhorava e o oxigénio prescrito aumentou.
Deram-me banho, porque apesar de ter ficado no quarto mais extremo do piso, nem de cadeira de rodas tinha força para ir à casa de banho (que ficava a uns míseros 3 metros). Tornei-me competente no uso da arrastadeira, embora o simples sentar-me fosse um cansaço extremo. A febre não baixava e começaram a dar-me, entre outras coisas, um antibiótico fantástico, de seu nome claritromicina, a que apelidei Clarinha dos Vidrinhos.  Pareciam vidrinhos a entrar pela veia dentro. Ao fim de um par de horas, os acessos do braço inchavam e tinha de ser picada novamente. Portanto, além das gasimetrias que alternavam nos pulsos, os braços começaram a ser fustigados. Devo acrescentar que os enfermeiros, com uma paciência absolutamente louvável, conseguiram pôr-me tantos catéteres nos braços como os 15 dias que estive internada e nem um deles doeu mais do que o necessário. Além disso, a minha médica provou-me que as gasimetrias não têm necessariamente de ser torturas medievais, de tal modo que à primeira que me fez no pulso direito a minha vontade era de a abraçar de tão pouca que foi a dor que se me assomou.
Ao segundo dia o delírio febril tinha a ver com palavras frescas (não é para ter sentido) então passei a noite com a máscara de oxigénio a repetir "basílio fresquinho". Continuei sem dormir e de madrugada a médica começou a assustar-se com isso. Novo RX, amostras de sangue e fisioterapia respiratória. Mais uma vez sem me levantar da cama, novo banho de bacia e a gasimetria sem melhoria substancial.
Entretanto comecei a tossir sangue. Sim, é nojento, mas na altura pareceu-me mais preocupante que nojento. A médica começou então a colocar todas as hipóteses patogénicas e mais algumas, incluindo tuberculose e afins. Aí sim, posso dizer que comecei a ter medo da seriedade da coisa. Até aí acho que a febre me tinha tornado inconsciente.

Fiz novo raio X e este revelou uma pneumonia bilateral que, dado o estado de desidratação em que entrei nas urgências do São Francisco Xavier, não foi então detectada. Finalmente, um diagnóstico. O problema era que a medicação não funcionava como devia. Fizemos um primeiro estudo alergológico e tive a primeira das más notícias, era alérgica no pior grau possível ao meu coelho, Pimpão. Nas palavras da médica, a coabitação era impossível mais do que indesejada.
Não foram identificados agentes patogénicos nas culturas nem nas colheitas entretanto feitas. Entretanto, mudei de colega de quarto por duas vezes e nenhuma se comparou à D. Isabel. A segunda senhora tinha-se lesionado em St. Tropez e "aquilo é que era vida", de tal forma que enquanto me trocavam os cateteres de madrugada, ela só dizia que queria pasteis de Belém e bolas de Berlim, muito indignada por ninguém lhe atender aos pedidos. A terceira senhora foi-me profundamente indiferente. Quem teve o privilégio de conhecer a D. Isabel acaba por não se contentar com pouco.
Feita a TAC, chega a segunda notícia esquisita, tenho uma lesão estranha no pulmão por detrás não sei do quê. Apesar de ter tido uma broncopneumonia quando era bebé, não há (ainda hoje) certeza se é residual dessa altura ou se deriva de algo mais recente, como esta pneumonia. Saber o que se passa torna-se uma prioridade para sabermos se há ou não que retirar parte do pulmão.
E foi aqui que quebrei completamente. Chorei uma noite inteira, com medo, com raiva de ter de ter dado o Pimpão, de não perceber o que se estava a passar (que ingenuidade e pretensão, as coisas simplesmente acontecem), de não saber o que ia acontecer. Vi o que a notícia fez aos meus e tentei, de todas as formas, não transmitir o meu receio. Mas a verdade é simples: fiquei completamente aterrorizada.
Passado o fim de semana (não se fazem gasimetrias ao fim de semana), mais análises e uma nova estratégia terapêutica. Mudaram os antibióticos, alteraram a cortisona, os analgésicos, os broncodilatadores, enfim, uma volta de 180º. E começou a resultar. Segunda-feira consegui ir tomar banho, embora fosse uma parvoíce, porque me ia dando um badagaio apesar de tomar banho sentada e com oxigénio. Mas consegui deixar a arrastadeira, o que foi um verdadeiro marco. Apesar de continuar a oxigénio, a respiração tornou-se mais fácil e os períodos de prostração e cansaço eram menores.
Entretanto morreram pessoas, chegaram novos doentes, e o ciclo recomeçava.
Li dezenas de livros, uns melhores outros nem por isso, mas como não havia TV no quarto, os Óscares passaram-me ao lado, a morte do homicida de Beja passou-me ao lado, enfim, estive desligada do mundo e da crise. Aos poucos consegui ir fazendo uma existência mais autónoma. Com alguma medicação mais forte, conseguia dormir 3 horas seguidas. Depois dormia de tarde, de manhã, quando me dava para isso. Os meus braços ainda hoje parecem medonhos, de tão roxos que ficaram (Biafine, muito Biafine). Não consegui escrever até ao final do dia de ontem, porque qualquer esforço (como abrir um comprimido) me custava horrores. Segurar o chuveiro era uma aventura. A única coisa que consegui competentemente aprender sozinha foi aplicar o doce no pão, mais por gula do que por fome.


DEPOIS

Aos poucos melhorei. Tive a nota de alta hospitalar no dia 29 de fevereiro, 15 dias depois de ter entrado nas urgências. Farei fisioterapia respiratória pelos próximos meses, com uma terapeuta que fez comigo o primeiro ano de faculdade (e depois mudou então para Fisioterapia) e que é das pessoas mais competentes que há na área (segundo a pneumologista). Tenho exames para fazer quase até meio do ano, repetirei TAC e farei provas de esforço respiratório durante o próximo mês. A medicação permanente que agora tenho é, precisamente isso, permanente e não pode ser adiada sob qualquer pretexto. Tenho 31 anos e vou reaprender a respirar. Passei a aindar com uma garrafa de 1,5 l de água para hidratar a via aérea. Tenho consulta de pneumologia para daqui a um mês e meio e tenho indicações estritas para me dirigir às urgências ao mínimo sinal de perigo.
Depois de duas semanas e um dia deitada, custa-me a andar. As dores musculares e o cansaço acabam por me impedir de aproveitar o facto de conseguir ver o sol ou as nuvens duas semanas depois de ter como única paisagem o edifício das consultas externas. Nunca pensei que as pernas me doessem tanto, e por mais que me esforce para pensar que isto vai ao sítio, devo acrescentar que o cansaço muscular ultrapassa, em muito, o cansaço respiratório. Vai demorar até me voltar a sentir inteira e capaz. Estou mais redonda, efeito da cortisona e de comer como um abade (comia de 2 em 2 horas no internamento). Mas quando as pernas deixarem, voltarei às caminhadas. Corridas não prometo, mas posso pensar nisso.
Guardei um nariz vermelho da Operação Nariz Vermelho, que nos visitou no Carnaval. Parece-me quase simbólico guardar um sorriso arrancado num contexto tão difícil, mas far-me-á bem quando a memória estiver mais esbatida.

 


OS OUTROS

 

Ao contrário do que gostaria, não tinha deixado completamente de fumar. Desde dia 13 que, obviamente, não toco num cigarro, e, desta vez, a parte pior do processo foi passada no internamento, onde a vontade de fumar era pura e simplesmente inexistente. Mas independentemente da racionalidade da decisão de não voltar a tocar num cigarro, esta deve-se sobretudo à D. Isabel.
Não sou particularmente purista, muita gente fuma à minha volta. E terá consequências disso, como eu as tive e ainda poderei ter. E mesmo assim, fumamos. Quase parece poético.
Quase. A D. Isabel nunca fumou na vida e no ano passado esteve mais tempo internada com uma infecção pulmonar do que em casa. Desde 2004 que tem uma infecção que não lhe dá descanso. Usa para dormir um aparelhómetro que parece uma tromba e que lhe fornece oxigénio de forma mais eficiente que os óculos nasais ou a máscara.
Apesar disto, é uma pessoa serena e a ela devo muita da calma necessária para conseguir levar os tratamentos até ao fim sem entrar em pânico. Tranquilizou-me quando comecei a cuspir sangue, quando me acordavam de madrugada para tirar sangue, quando a claritromicina começava a inchar-me os braços, quando comecei a entrar em desespero. Sobretudo, ensinou-me que a vida é, ponto. Não tem uma ponta de auto-comiseração ou de irritação por padecer de algo que, provavelmente a matará antes de tempo, e para a qual não contribuiu em nada. Caramba, andei eu a fazer disparates aos meus pulmões conscientemente e a minha doença não tem um décimo da gravidade da dela. Até eu acho injusto e revoltante, mas a D. Isabel já fez as pazes com as injustiças deste mundo. Quanto mais não seja por uma questão de respeito pelas D. Isabeis deste mundo, dificilmente fumarei um cigarro novamente...

Esta história não ficava completa sem um pensamento para os enfermeiros e auxiliares, para a Graça e restantes elementos do piso 2 do HEM. Com a escassez de recursos que há, conseguiram sempre uma palavra amiga, dedicada e competente.
O mesmo se aplica à minha pneumologista, paciente e clara, ao meu médico de família, que tentou inteirar-se da situação com o interesse e o acompanhamento a que já não estamos habituados.
Além disso, claro, a minha saída premeia sobretudo a minha família e os meus amigos, que tentaram, na medida do humanamente possível, acompanhar-me neste processo que foi bem mais doloroso do que aqui consigo escrever.
 

 

Este é dos posts mais pessoais que já escrevi e escreverei. Não serve para nada, reflecte unicamente o tanto que foi esta passagem por uma experiência que espero não repetir, mas da qual seria ingrata se não retirasse os ensinamentos que agora carrego.

publicado por Vita C às 17:08

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